Você conhece as consequências da perda auditiva no envelhecimento?
Autora: Letícia Pimenta Costa-Guarisco, docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar
(Imagem: Karen Pulgatti)
"Eu escuto, mas não entendo bem as palavras”. Esta é uma queixa comum daqueles que possuem perdas auditivas relacionadas ao envelhecimento, ou presbiacusia. Essa é uma condição frequente na população idosa, que tem início lento e muitas vezes imperceptível, mas que, com o passar do tempo, pode levar a dificuldades na comunicação e outras consequências graves que muitos desconhecem.
Os primeiros sinais de dificuldade auditiva começam a se manifestar, em média, a partir dos 55 anos. Situações específicas, como conversas sussurradas ou comunicações sem leitura labial, como ao telefone, em cerimônias religiosas ou em ambientes ruidosos como festas, restaurantes e encontros familiares e sociais, podem tornar-se desafiadoras. Se não tratadas, as perdas auditivas relacionadas ao envelhecimento tendem a progredir, o que pode comprometer gravemente o processo de comunicação, tanto em ambientes ruidosos, quanto silenciosos.
A perda auditiva varia em grau e tipo, podendo afetar a capacidade de ouvir sons de alta (sons agudos) ou baixa frequência (sons graves) de diferentes maneiras. A presbiacusia ocorre de modo bilateral e simétrico, com início em frequências altas, podendo progredir para frequências médias - como os sons da fala - e baixas, mas dificilmente leva à surdez total.
O diagnóstico é feito com um exame de audiometria, em que se avaliam os limites mínimos da audição e o reconhecimento da fala em cada orelha. Entretanto, não há remédio ou cirurgia capaz de curar ou impedir sua progressão, pois esse é um efeito decorrente do processo de envelhecimento celular, que afeta o ouvido interno e as vias auditivas.
Apesar de ter importante relação com a genética, alguns comportamentos ao longo da vida - como a exposição a níveis sonoros elevados, uso de medicamentos que contêm substâncias prejudiciais à audição e descontrole do diabetes e da pressão arterial - potencializam a presbiacusia[1].
O tratamento é feito com próteses auditivas, que devem ser adaptadas e ajustadas de acordo com o tipo e grau da perda. Com os avanços tecnológicos na área, as próteses auditivas possuem ótima qualidade sonora e recursos tecnológicos que modelam os sinais acústicos e auxiliam a compreensão de fala em ambientes silenciosos e ruidosos. Porém, ainda existem barreiras para seu uso pelas pessoas idosas, desde a negação da perda auditiva e o estigma social, até a dificuldade de adaptação, muito comum no início do processo, mas que tende a ser vencida com orientação adequada e aclimatização auditiva.
Por ser um processo gradual, lento e imperceptível, as pessoas idosas e seus familiares minimizam as dificuldades auditivas e postergam qualquer intervenção, acreditando não ser ainda o momento para uso de próteses auditivas. No entanto, quanto maior o tempo de privação auditiva, maior será a dificuldade de se adaptar aos aparelhos. Assim, postergar a adaptação das próteses auditivas pode levar à maior dificuldade no processo de aclimatização auditiva, bem como na autonomia de seu uso.
A perda auditiva se torna um problema quando afeta a comunicação da pessoa idosa, podendo levar a restrições de sua participação em diferentes atividades e a limitações em atividades do seu dia a dia. O resultado pode ser o isolamento social, depressão e redução na qualidade de vida. Essas consequências podem, por sua vez, contribuir para problemas mais sérios. Pesquisas recentes destacam a conexão entre a falta de tratamento para perda auditiva em idosos e complicações como demências[2].
Por se tratar de um importante problema de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a triagem auditiva de pessoas idosas nos serviços de saúde. Isso possibilita o diagnóstico dos casos suspeitos e a adequada intervenção, que inclui o aconselhamento ao paciente, familiares e cuidadores para facilitar o processo de aceitação da perda auditiva e adaptação às próteses adequadas para o tipo e grau da perda. Recomenda ainda que, uma vez identificada a perda auditiva, é essencial que ela seja tratada o mais cedo possível e de forma adequada para mitigar os impactos adversos, incluindo prevenção das demências[3].
Quando os primeiros sinais de dificuldade para ouvir chegarem, dê ouvidos a eles: isso pode fazer a diferença entre um envelhecimento saudável ou com consequências mais graves, como as demências.
[1] https://www.nia.nih.gov/health/hearing-and-hearing-loss/hearing-loss-common-problem-older-adults
[2] https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36469314/
[3] https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/344797/9789240032767-eng.pdf?sequence=1