Idadismo, já ouviu falar?
Autora: Marcia Regina Cominetti, docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar
(Fotos: Getty Images e Globo/Fabio Rocha)
O dia 1º de outubro foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional das Pessoas Idosas. Assim como na coluna do mês de setembro, em que falamos sobre o estigma contra a pessoa com demência, é importante também falarmos sobre o preconceito contra a pessoa idosa. Idadismo, etarismo ou ageísmo são termos que significam a mesma coisa. Eles se referem a estereótipos, preconceitos e discriminações direcionadas às pessoas, apenas com base na sua idade.
Cada fase da vida é uma mistura de dores e prazeres. Desde a infância, passando pela adolescência, até a vida adulta, cada fase tem suas glórias e dificuldades. A velhice também. Mas essa fase da vida parece ser a mais cercada de preconceito que se apresenta de várias formas e, assim como o racismo, está estruturalmente enraizado em nossa sociedade. O idadismo pode ocorrer de forma interpessoal, institucional ou até mesmo contra si próprio. Nesses contextos, as palavras têm e transmitem significados. Quem nunca ouviu ou até falou alguma dessas frases? “Está(ou) muito velho(a) pra isso”; “É a idade...”.
Outra forma de manifestação do idadismo é a fragilização ou a infantilização da pessoa idosa: “Esse telefone é muito moderno pra idoso”; ou “Que bonitinho aquele(a) velhinho(a)!”. Essas atitudes implicam que as pessoas idosas são improdutivas, dispensáveis e infantis.
Sendo o envelhecimento uma fase normal do ciclo da vida, essas expressões já envelheceram – e mal – e não são mais aceitas como foram no passado. O Glossário Coletivo de Enfrentamento ao Idadismo 1 apresenta frases e expressões que devemos eliminar de nosso vocabulário para mudar a narrativa que associa o envelhecimento apenas a aspectos negativos.
O idadismo afeta particularmente as mulheres. Artistas como Helen Mirren, Madonna e Marieta Severo destacam como a sociedade muitas vezes espera que as mulheres se comportem de acordo com estereótipos específicos de idade, o que pode incluir abandonar certas atitudes, atividades, vestimentas e desejos. Isso pode levar à invisibilidade das mulheres mais velhas na cultura popular e até mesmo à discriminação em certas profissões. Em 2016, um estudo 2 sobre diálogos cinematográficos a partir de roteiros de mais de 2.000 filmes de vários gêneros concluiu que a percentagem de falas disponíveis para as mulheres diminuiu significativamente com a idade em comparação com os homens. Os homens com mais de 40 anos tiveram mais papéis e diálogo falado (55 milhões de palavras para a faixa etária dos 42-65 anos) em comparação com as mulheres da mesma faixa etária (11 milhões de palavras). Esse é apenas um exemplo – de vários – e mostra a importância da crítica ao idadismo para promover uma sociedade mais inclusiva, na qual as pessoas possam envelhecer com dignidade e continuar a viver de acordo com suas próprias escolhas e desejos, independentemente da idade.
O impacto do idadismo é enorme. O relatório mundial sobre idadismo 3, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), objetiva conscientizar a população sobre como esse tipo de preconceito afeta não apenas a saúde e a dignidade individual, mas também a sociedade em geral. O relatório mostra que o idadismo tem consequências graves e de longo alcance para a saúde, o bem-estar e os direitos humanos das pessoas e alto custo financeiro, da casa dos bilhões, à sociedade. Ele pode aumentar o risco de violência e abuso contra as pessoas idosas. Também está associado a piores saúdes física e mental, ao aumento do isolamento social e da solidão, à maior insegurança financeira, à diminuição da qualidade de vida e até mesmo à morte prematura.
Mesmo pequenas mudanças na forma como pensamos, sentimos e agimos em relação à idade e ao envelhecimento trarão benefícios para os indivíduos e a sociedade. Devemos prestar mais atenção às atitudes e aos comportamentos etaristas – nossas e de outras pessoas –, adotar estratégias para combater o idadismo e lutar pela criação de respostas políticas abrangentes e que apoiem não somente a velhice, mas todas as fases da vida.
As estratégias propostas pelo relatório da OPAS para combater o idadismo incluem a criação de políticas públicas, leis e programas educacionais intergeracionais; a realização de mais pesquisas para entender sua extensão e impacto; e o desenvolvimento de campanhas antietarismo para promover uma mudança da narrativa sobre idade e envelhecimento. Afinal, todos precisamos entender que, se nascer é sorte, envelhecer é privilégio!