Mês mundial do Alzheimer: como identificar o estigma à pessoa com demência?
Autora: Marcia Regina Cominetti, docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar
(Imagem: Alyson Massoli)
Setembro foi o mês escolhido mundialmente para marcar a conscientização e reflexão sobre as demências. No dia 21, em particular, o mundo direciona sua atenção para a conscientização sobre a doença de Alzheimer, uma condição que afeta milhões de vidas em todo o globo. O mês é marcado por diversos eventos promovidos por organizações que têm como foco promover a redução dos riscos, o diagnóstico oportuno, o cuidado e a inclusão das pessoas que vivem com demência. No Brasil, a Febraz[1] (Federação Brasileira das Associações de Alzheimer) e a ABRAz[2] (Associação Brasileira de Alzheimer) promovem campanhas que incluem palestras educativas, seminários médicos e outras iniciativas para informar o público sobre como reconhecer os sintomas do Alzheimer e onde buscar ajuda.
Conscientizar a população, apoiar as pesquisas e oferecer ajuda e compreensão às pessoas que vivem com Alzheimer e suas famílias são passos cruciais para enfrentar esse desafio de saúde global. Além de explorar os avanços científicos e várias outras perspectivas relacionadas à doença, é igualmente crucial abordar um aspecto frequentemente negligenciado: o estigma associado às pessoas que vivem com demência.
Estigma é qualquer atitude negativa ou comportamento discriminatório contra as pessoas com demência, apenas por terem a doença. O estigma pode se manifestar de várias formas, muitas vezes imperceptíveis. Pessoas com demência podem enfrentar atitudes discriminatórias, exclusão social e ações que, apesar de bem-intencionadas, são prejudiciais. Em outras palavras, quando a pessoa com demência passa a ser definida por seu diagnóstico e não é mais vista como um indivíduo, ou quando se assume que a demência torna a pessoa menos capaz ou inteligente, temos uma situação de estigma. O estigma pode partir de amigos, familiares e até mesmo profissionais de saúde, e pode prejudicar a autoestima e a qualidade de vida dos indivíduos com demência, exacerbando os desafios emocionais e físicos já existentes.
Um estudo interessante[3] examinou o uso de metáforas nos tabloides britânicos para representar a demência ao longo de um período de 10 anos (2010-2019). O estudo identificou diversas metáforas, com uma preferência significativa por parte dos tabloides em retratar a demência como uma entidade ativa e agressiva, enquanto as pessoas com demência são retratadas como vítimas passivas. O artigo argumenta que tais metáforas podem contribuir para o estigma em torno da demência e deslocar o foco para a prevenção ou erradicação da condição, deixando de lado ações que suportam o viver bem com a demência no presente.
Compreender e eliminar o estigma não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de justiça social. Uma ferramenta poderosa para combater o estigma é o conhecimento. Conhecer a doença e entender que ela não é um atestado de óbito é fundamental. Um exemplo é a autora Wendy Michell, que há quase uma década recebeu o diagnóstico de Alzheimer, e que continuou ativa desde então. Após o diagnóstico, a autora publicou dois livros, recebeu dois títulos de doutora honoris causa e tornou-se embaixadora da sociedade para Alzheimer.
A divulgação de informações precisas e a promoção de uma compreensão mais profunda das demências podem auxiliar a desafiar esses estereótipos prejudiciais. Compartilhar histórias de pessoas que vivem com demência e suas famílias são importantes, pois humanizam a doença e destacam as lutas e triunfos individuais. Incentivar a inclusão de pessoas com demência em atividades comunitárias e familiares ajuda a diminuir o isolamento social. Implementar leis e políticas que protejam os direitos e a dignidade das pessoas com demência é essencial.
A escolha cuidadosa das palavras que usamos ao nos referirmos a pessoas com demência também é importante. É fundamental evitar termos que reforçam estereótipos negativos, como "demente" ou "doente mental". Em vez disso, devemos optar por linguagem centrada na pessoa, como "pessoa vivendo com demência" ou "indivíduo com demência". A escolha de palavras respeitosas e inclusivas ajuda a promover uma imagem mais precisa e digna das experiências e identidades das pessoas que vivem com demência.
Neste mês de conscientização do Alzheimer, é imperativo ir além das estatísticas e tratamentos médicos e abordar questões subjacentes, como o estigma que acompanha a demência. Identificar, reconhecer e combater essas manifestações de preconceito é essencial para construir uma sociedade mais inclusiva para todas as pessoas, independentemente de suas condições de saúde. À medida que nos esforçamos para avançar em nosso conhecimento científico sobre as demências, também devemos criar um ambiente que respeite e valorize a humanidade de cada indivíduo, independentemente da jornada que eles enfrentam.
[3] https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10926488.2022.2142472