Como a dor afeta as pessoas idosas?

Autor: Fernando Augusto Vasilceac, docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar

(Imagem: Karen Pulgatti)

Texto19A dor é um dos principais motivos para as pessoas procurarem cuidados de saúde. Se, de um lado, é um mecanismo de defesa essencial e favorece nossa sobrevivência, de outro pode trazer grande sofrimento, pois trata-se de uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada a uma lesão tecidual real ou potencial[1]. Quanto à duração, é classificada como aguda ou crônica. Esta última é aquela que persiste por 3 a 6 meses além do tempo normal de cicatrização da lesão, ou que está relacionada a processos patológicos intensos, resultando em dor contínua ou recorrente.

A dor é uma experiência pessoal, ou seja, cada pessoa vai experimentá-la de maneira diferente, pois ela é influenciada por fatores biológicos, psicológicos, sociais e até pelo clima. Você já ouviu aquela famosa frase vinda de um idoso ou idosa? “Hum, hoje vai chover, minha dor está pior”. Se já ouviu, pode acreditar, pois até mesmo alterações no clima podem fazer com que algumas pessoas – especialmente aquelas com artrite – sintam mais dores nas articulações.

No mundo, cerca de 30% da população tem dor crônica[2]. No Brasil, uma revisão sistemática identificou que a prevalência da dor crônica na população é cerca de 45%, sendo as mulheres as mais atingidas por essa condição[3].

As pessoas que têm dor crônica visitam o médico duas vezes mais do que aquelas que não relatam dor. Na atenção primária – ponto inicial de contato entre os indivíduos e o sistema de saúde –, os atendimentos em dor geralmente representam 1/3 de todas as consultas. As causas principais dessas visitas são a osteoartrite, dores nas costas e de cabeça2.

No envelhecimento não é diferente: a dor crônica, quando presente, é um aspecto relevante da saúde da pessoa idosa - e é considerada comum em parte dessa população. Isso significa que muitas pessoas idosas sofrem com dor que dura muito tempo. De fato, entre 25% e 50% desse público relata sentir dor frequentemente[4]. Isso pode ter relação com o fato de que essas pessoas, algumas vezes, possuem condições médicas subjacentes, como artrites, neuropatias e doenças degenerativas.

Viver com dor crônica pode resultar em várias e sérias consequências que impactam no bem-estar social e psicológico do indivíduo. A dor pode impedir a mobilidade e a realização de atividades, provocar quedas, sintomas depressivos e ansiosos, distúrbios de sono e isolamento social. Esses efeitos negativos não se restringem apenas ao paciente, mas também podem perturbar as relações familiares e sociais.

Os impactos econômicos e sociais também são marcantes. Mais da metade dessa população com dor crônica apresenta limitações para realizar atividades do dia a dia, o que impacta não somente a pessoa que sofre da dor, sua família e a sociedade, mas o sistema de saúde como um todo.

Não é simples medir a dor, sendo ela uma experiência pessoal. Ainda assim, existem instrumentos como escalas numéricas, analógicas, verbais e visuais, ou ainda escalas mais complexas que avaliam a qualidade e a severidade da dor e os fatores afetivos-emocionais envolvidos na dor experienciada.

Nesse cenário tão complexo e delicado, seu manejo em pessoas idosas pode ser um desafio. Mais da metade dessa população não recebe o controle e o tratamento adequado para o seu caso. Em 2019, a UFSCar inaugurou a Clínica da Dor, um centro de referência interdisciplinar focado em abordagens avançadas para tratar, controlar e prevenir a dor musculoesquelética. Essa iniciativa integra conhecimentos de pesquisa para capacitar profissionais de saúde na prática baseada em evidências. O desafio atual é aplicar esses avanços nos modelos de atenção à saúde, especialmente no cuidado de idosos com dor crônica.

Com o envelhecimento populacional, torna-se cada vez mais crucial promover uma maior conscientização sobre a dor crônica nas próprias pessoas idosas, entre profissionais de saúde, cuidadores e familiares. Isso inclui educar sobre estratégias de prevenção, identificação precoce e tratamento adequado, visando melhorar a qualidade de vida e promover o envelhecimento saudável e ativo. Afinal de contas, ninguém precisa viver com dor o tempo todo!

[1] https://www.iasp-pain.org/

[2] Cohen et al. Chronic pain: an update on burden, best practices, and new advances. The Lancet. 2021, 397:2082.

[3] Aguiar et al. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. Braz. J Pain. 2021,4:257.

[4] Sociedade Brasileira de Geriatria E Gerontologia. Dor: o quinto sinal vital, abordagem prática no idoso. Comissão de Dor. p. 29. 2018.