Seminário sobre equidade em Saúde debate violência de gênero e racismo
Seminário sobre equidade em Saúde debate violência de gênero e racismo
Evento realizado na UFSCar também tratou da comunicação na área da Saúde
No último dia 13 de junho, aconteceu no Campus São Carlos da UFSCar a segunda etapa do II Seminário Enfrentamento a Iniquidades no SUS, atividade promovida pela pesquisa “Tecnologias sociais e de saúde para o enfrentamento das iniquidades de gênero, raça e classe no campo da formação e assistência em saúde no SUS”. O evento contou com duas mesas redondas e, pela manhã, o tema foi comunicação pública da Ciência e, mais especificamente, em Saúde.
Aline Nordi — coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Clínica (PPGGC) e docente no Departamento de Medicina da UFSCar — deu início à programação ressaltando a conexão entre a comunicação pública da Ciência e a missão do Programa, argumentando que comunicar ciência é “participar de um esforço ético e político de tornar visíveis os saberes, práticas e vivências que constituem o cotidiano do SUS e de seus trabalhadores e trabalhadoras”. Em seguida, apresentou um panorama das produções do Programa que dialogam com o tema. Entre as áreas abordadas, a professora destacou a saúde mental; a educação em saúde, “tratada não apenas como tema, mas como método”; práticas integrativas e complementares e as racionalidades médicas plurais; a saúde dos povos indígenas e a tecnologia no cuidado em saúde. Aline Nordi mencionou também alguns avanços recentes do Programa, que completa 15 anos em 2025 e tem seu corpo docente atuante na pesquisa que promoveu o Seminário”.
Mariana Pezzo, diretora do Instituto da Cultura Científica da UFSCar, também parceiro do projeto, abordou vários aspectos conceituais e práticos da comunicação pública da Ciência, com destaque a experiências de comunicação em Saúde. A jornalista e educadora, atuante na área há mais de 20 anos, registrou como, na atualidade, a atividade é valorizada, para enfrentamento ao negacionismo e à desinformação. “Essa valorização sem dúvida é algo a ser celebrado, mas também amplia a necessidade e a relevância de reflexões sobre nossos objetivos na divulgação. Na área da Saúde, especificamente, é preciso muito cuidado para não criar falsas expectativas ao divulgar pesquisas em diferentes estágios de desenvolvimento, por exemplo, e outro ponto de atenção é a perspectiva de dialogar com a população, de considerar diferentes saberes, ao buscar a maior presença das evidências científicas no debate público”, pontuou.
Tiago Marconi, jornalista atuante no ICC e bolsista do projeto de pesquisa, apresentou o plano de comunicação da iniciativa, baseado em três eixos. O primeiro se refere à divulgação da pesquisa em si, de suas atividades e, futuramente, dos resultados, através de reportagens em diferentes formatos. O segundo eixo busca explorar o tema “Equidade em Saúde”, apresentando o conceito para um público mais amplo. Para isso, serão elaborados materiais para redes sociais, para rádio e impressos. O terceiro eixo busca, de modo mais abrangente, divulgar as pesquisas realizadas no PPGGC.
À tarde, a programação seguiu com mesa intitulada “Vulnerabilidades e Temáticas Complexas em Saúde: caminhos possíveis e diálogos na Atenção Primária em Saúde na direção da Equidade em Saúde” (gravação disponível neste link). Elisabeth Meloni, professora aposentada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), hoje atuando no programa de pós-graduação da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, iniciou explicando que a temática da violência contra a mulher se tornou pauta da saúde pública em 1998, a partir de posicionamento da Organização Mundial de Saúde (OMS). A pesquisadora, atuante no tema há 25 anos, compartilhou indicadores da altíssima prevalência de violência contra mulheres, e destacou como os serviços de saúde são uma porta de entrada importante para a identificação dessa violência, uma vez que é mais provável as vítimas procurarem esses serviços do que a polícia.
Em seguida, falou Débora de Souza Santos, professora na Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Grupo Uhayele de Estudos e Pesquisas para Equidade Social, Racial e de Gênero na Saúde. A pesquisadora abriu a fala destacando o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira, e depois lembrou do conceito de iniquidade usado pela pesquisadora britânica Margareth Whitehead: “as iniquidades são as diferenças que são desnecessárias e evitáveis; elas são injustas e inaceitáveis”. Como exemplo, citou a mortalidade materna para mulheres pretas, que tem o dobro da prevalência geral. Ela avaliou que há avanços no enfrentamento a iniquidades, mas questionou se eles estão chegando na atenção primária à saúde (APS) e no cotidiano.
A pesquisadora apresentou um esquema em forma de mandala de sua autoria, chamado de “Os 4 Rs da Educação Antirracista para Equidade na APS”. São eles: Reconhecer — “é o mais difícil e dispara os demais, é conseguir enxergar as iniquidades com essa perspectiva racial” —; Romper — “a partir do momento em que reconheço, preciso estabelecer estratégias de rompimento com essa opressão”; Resistir — “como isso [romper] dói, precisamos construir estratégias de resistência” e Reparar/Reconstruir — “resistindo, conseguimos juntos estabelecer estratégias de reparação e de reconstrução”.
A última apresentação do dia foi de Ademir Lopes Junior, membro do Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e preceptor no Centro de Saúde-Escola Samuel B. Pessoa da Faculdade de Medicina da USP, onde trabalha em um projeto chamado Espaço Transcender, voltado para crianças e adolescentes trans e com diversidade de gênero e suas famílias. Ele dividiu sua apresentação em duas partes, uma voltada para as questões estruturais de preconceito e violência, outra para discutir caminhos para políticas e ações afirmativas de combate à LGBTfobia da perspectiva da organização de serviços de saúde.
Lopes Junior abriu sua fala com dados de pesquisa sobre discriminação no sistema de saúde, indicando maior discriminação entre pessoas trans, e deu alguns exemplos de manifestações involuntárias e internalizadas de LGBTfobia, explicando, por exemplo, a necessidade de se perguntar a orientação sexual das pessoas atendidas. “Se você não pergunta, você vai tratar aquela pessoa como se fosse heterossexual e, ao tratar como heterossexual uma pessoa LGBT, quem vai receber o pior tipo de cuidado em saúde? As pessoas LGBT. E aí você está reproduzindo uma violência institucional, que é ter uma estrutura que faz com que as pessoas LGBT não sejam bem cuidadas, e vai orientar um contraceptivo para uma mulher lésbica que não tem relação com alguém que tenha pênis”, exemplificou. O médico listou diferentes tipos de LGBTfobia, obstáculos enfrentados por essa população no acesso ao sistema de saúde, e indicou posturas e atitudes para melhorar o atendimento.
Enfrentamento a iniquidades no SUS
O projeto “Tecnologias sociais e de saúde para o enfrentamento das iniquidades de gênero, raça e classe no campo da formação e assistência em saúde no SUS” (que adotou o “apelido” Enfrentamento a Iniquidades no SUS) tem por objetivo apoiar a criação de novas estratégias de capacitação para que profissionais envolvidos com a Atenção Primária à Saúde lidem com desigualdades e vulnerabilidades. Contemplado na Chamada Nº 21/2023 - Estudos Transdisciplinares em Saúde Coletiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), junto com os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Saúde, está previsto para se desenrolar até fevereiro de 2027. Saiba mais em matéria publicada no Portal da UFSCar.