Pesquisas em ecotoxicologia revelam efeitos de contaminantes sobre diversas espécies animais
Como a poluição plástica em áreas agrícolas afeta a biodiversidade e, também, os serviços ecossistêmicos? Quais são os impactos da interação entre microplásticos e agrotóxicos? Que substâncias são seguras, e em quais níveis? Contribuir para respostas a essas questões é o objetivo do projeto temático “Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas”, reunindo grupos de pesquisa de diferentes instituições paulistas, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, projeto nº 22/12104-4). Em outubro, o projeto realizou o segundo workshop do seu primeiro ano de atividade, em edição com foco nas contribuições da ecotoxicologia para avaliação de efeitos de microplásticos e agrotóxicos em ecossistemas aquáticos e terrestres.
Evaldo Espíndola, docente na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), é um dos pesquisadores principais do projeto temático, coordenando a frente de ecotoxicologia. Ele explica que uma das principais novidades é o trabalho com efeitos de microplásticos. No entanto, mesmo em relação aos agrotóxicos, estudados em projetos anteriores, a equipe agora busca resultados para além de efeitos básicos. “Nós já temos experiências, no caso dos agrotóxicos, de interação com órgãos públicos, para presença das evidências científicas em políticas públicas. No caso dos plásticos, têm mais visibilidade as sacolas e outros objetos grandes, com seus impactos sobre animais como golfinhos e tartarugas, mas o problema vai muito além, com os microplásticos na água, na areia das praias e rios, e a impossibilidade de remoção nos sistemas de tratamento. Aqui também, portanto, nossa expectativa é que as pesquisas possam vir a subsidiar as políticas públicas”, afirma.
“Em relação aos microplásticos, é tudo muito novo. Nosso objetivo é levantar dados para subsidiar avaliações de risco mais à frente, para entender como conseguimos monitorar a presença desses compostos no ambiente e minimizar seus efeitos nos organismos. Esta é, inclusive, uma demanda das agências reguladoras”, complementa Ana Letícia Madeira Sanches, docente no Departamento de Recursos Pesqueiros e Aquicultura da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Registro, integrante da equipe do projeto. Ela estuda, junto com estudantes que orienta, peixes adultos e, também, na fase embrionária. No workshop, apresentou pesquisas com biomarcadores que ajudam a entender que transformações ocorrem nos organismos dos animais a partir da contaminação e se, a partir delas, eles são capazes de modificar e eliminar os contaminantes.
Evaldo Espíndola destaca a composição multidisciplinar da equipe – com pessoas das áreas de Biologia, Ecologia, Química e Engenharia – para comentar o percurso necessário entre resultados específicos e a possibilidade de impacto da pesquisa científica em ações de recuperação e gestão ambiental. “Quanto mais pessoas, trabalhando com diferentes espécies e respostas diversas, melhor para entendermos os efeitos das substâncias em termos não apenas dos organismos, mas do ecossistema, e assim buscarmos essas possibilidades de contribuição à recuperação e à gestão ambiental”, situa o pesquisador. “Existe uma lacuna de conhecimento sobre efeitos em comunidades, o que representa complexidade muito maior que o estudo de espécies isoladas, ainda mais na região tropical”, acrescenta Raquel Moreira, docente na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP em Pirassununga, mais uma integrante da equipe do projeto temático.
Além de Evaldo Espíndola, o projeto tem como responsáveis Walter Waldman, docente no Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM-So) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Campus Sorocaba, e Cassiana Montagner, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora da iniciativa. “Este é o diferencial do temático, essa integração entre as áreas especializadas nos agrotóxicos, em microplásticos e, coordenada por nós, a área biológica, ecológica, da ecotoxicologia”, afirma Espíndola. “Nós não conseguimos entender os efeitos sobre os organismos vivos sem entender as características dos contaminantes. Por outro lado, quem trabalha com os contaminantes chega até um certo ponto, na análise desses materiais, e aí nós precisamos entrar para a compreensão dos efeitos. Neste projeto, eu gosto de dizer que estamos abrindo essas caixinhas. Estamos só começando, e momentos como o do workshop são essenciais para entendermos como avançar”, conclui.
Complexidade e diversidade
As pesquisas são realizadas também em diferentes configurações metodológicas, desde a escala laboratorial até o campo na Natureza, passando pelo chamado mesocosmos, que é um meio termo, simulando o ecossistema natural – em caixas d’água expostas às intempéries e outras variáveis ambientais –, mas com controle de alguns fatores, como, por exemplo, a exposição a diferentes tipos e concentrações de contaminantes.
Juliane Silberschmidt Freitas, integrante da equipe que é docente no Departamento de Ciências Biológicas da Unesp, campus de Bauru, comenta a relevância do emprego desses diferentes métodos. “A parte boa dos testes em laboratório é a possibilidade de controle de vários parâmetros, para monitorarmos os efeitos derivados dos componentes químicos sobre os animais. Por outro lado, ficam de fora fatores que são especialmente relevantes em um país tropical como o Brasil, que são as variáveis ambientais. Por isso, quando fazemos os estudos em mesocosmos, temos esse outro lado, conseguimos estudar a toxicologia em um contexto mais realístico”, explica a pesquisadora.
Silberschmidt e os estudantes que ela orienta realizam pesquisas com anfíbios, que têm especial relevância por configurarem o grupo de animais vertebrados em maior risco de extinção, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Além disso, o Brasil é o país com maior diversidade de anfíbios do Planeta. No entanto, invertebrados também estão sendo estudados tanto em situação de laboratório quanto no mesocosmos. Os resultados indicam efeitos não apenas no nível macroscópico – ou seja, naquilo que é possível observar em indivíduos específicos estudados –, mas também em biomarcadores moleculares, ou seja, em processos biológicos fundamentais, o que, em longo prazo, pode levar a efeitos em populações e no ecossistema como um todo, como comenta Diego Ferreira Gomes, pesquisador de pós-doutorado na EESC-USP que, no workshop, apresentou resultados de estudos com gastrópodes.
Thandy Júnio da Silva Pinto, pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Química Ambiental da Unicamp, que trabalha com organismos bentônicos – ou seja, organismos de sedimento, que habitam o fundo dos ambientes aquáticos, justamente na região chamada de bentônica –, explica que as espécies estudadas buscam ser representativas da biodiversidade de uma determinada região. “Com isso, o que buscamos são respostas que nos permitam, em contextos de ambientes tropicais, de agricultura no Brasil, compreender como as moléculas de agrotóxicos e microplásticos se comportam, como afetam as comunidades aquáticas e terrestres e, com isso, em última instância, quais são as políticas de regulação que precisam ser estabelecidas”, conclui.
Além das espécies já mencionadas, foram apresentadas no evento também estudos com insetos aquáticos, conduzidos por Gleyson Borges Castro, e com a fauna edáfita, formada por organismos que vivem no solo e estudada por Amanda Pereira da Costa Araújo, ambos pesquisadores de pós-doutorado na EESC-USP.
O II Workshop do projeto temático “Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas”, com o tema “A contribuição da ecotoxicologia para avaliação dos efeitos de microplásticos e agrotóxicos em ecossistemas aquáticos e terrestres”, foi realizado nos dias 3 e 4 de outubro de 2025, em São Carlos, na EESC-USP.
