Pesquisa caracteriza ação de derivado do kefir na conservação do morango
(Texto: Thiago Wisley Barbosa de Farias)
Morango com kefir. Esta não é a moda que vem substituir o “morango do amor”, mas sim uma combinação estudada em pesquisa na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) como possibilidade para prolongar a vida útil após a colheita de uma das frutas mais consumidas no Brasil. Desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFSCar, a pesquisa investigou o uso do kefiran – um biopolímero derivado de grãos de kefir – como conservante natural e comestível.
Por ser altamente perecível, com rápida deterioração causada por microrganismos e perda de qualidade sensorial (na textura, sabor, aroma e aparência), grande parte da produção de morango sofre perdas ao longo da cadeia de comercialização. Esse fator, aliado ao manejo delicado da cultura e, assim, aos custos de produção e transporte, contribui para que o preço seja frequentemente alto para o consumidor final. Nesse contexto, soluções que aumentem seu tempo de prateleira sem comprometer o sabor e a aparência são estratégicas tanto para reduzir desperdícios, quanto para tornar a fruta mais acessível.
O kefiran tem atraído a atenção nos últimos anos por suas propriedades bioativas que permitem sua utilização como ingrediente funcional na preservação de alimentos. Na UFSCar, os pesquisadores iniciaram o estudo cultivando grãos de kefir em leite por 30 dias, a fim de obter o kefiran, produzido durante essa fermentação do leite. O composto foi então extraído, purificado e transformado em pó, para análise em laboratório.
O kefiran foi caracterizado por diferentes técnicas experimentais para compreender sua composição, estrutura e propriedades químicas, além de ser investigado por meio de simulações computacionais. Foram essas simulações, com destaque à aplicação da Teoria do Funcional da Densidade (DFT), que indicaram potenciais interações com outras moléculas e materiais, ampliando a compreensão da versatilidade do kefiran.
“O estudo do kefiran se deu por conta das suas propriedades e, além disso, em vários países, os alimentos à base de kefir já são comercializados em larga escala, o que facilitaria a aceitação de materiais a partir dessa matriz”, explica Gleison Neres, que conduziu a pesquisa durante o seu doutorado no PPGQ, em que trabalhou no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC), vinculado ao Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF).
Além do morango, o kefiran pode ser utilizado no recobrimento de outras frutas, como a manga – que possui grande relevância para o mercado brasileiro devido ao seu alto consumo e ao potencial de exportação. O revestimento a base de kefiran consiste em uma fina camada aplicada à superfície da fruta, que ajuda a preservar as características sensoriais.
Nos testes, o kefiran conseguiu reduzir significativamente a formação de biofilmes bacterianos, estruturas que tornam as bactérias mais resistentes e difíceis de eliminar. Adicionalmente, ele mostrou efeito antifúngico importante. Mas um dos resultados mais promissores veio mesmo da sua aplicação em morangos, em que ao revestir a fruta os pesquisadores observaram menor perda de peso, menor deterioração e redução de contaminações durante o armazenamento.
A tese de Neres foi desenvolvida com orientação de Lúcia Helena Mascaro, docente no Departamento de Química (DQ) da UFSCar. A equipe de desenvolvimento teve a participação de Ernesto Chaves Pereira, também docente no DQ, e do pesquisador de pós-doutorado Alex S. Moraes. Colaboraram Daniela de A. Carrea, Farayde Matta Fakhouri e José Ignacio Velasco, da Universidade Politécnica da Catalunha, e as pesquisadoras Marcela N. Argentin, Ilana L. B. da Cunha Camargo e Inês Basso Bernardi, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, Processos 2021/06128-5 e 2023/04376-7).