Municípios que passaram por desastres se afastam dos ODS
Municípios brasileiros que passaram por desastres estão se afastando dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). A conclusão é um dos resultados do projeto “Consecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no contexto de desastres (CODeS): ferramentas computacionais na análise integrada de dados”, desenvolvido por equipe da UFSCar com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) entre fevereiro de 2023 e maio de 2025. Em abril deste ano, o projeto pautou parte da programação dos eventos Simpósio de Ciências Ambientais e Jornada de Gestão e Análise Ambiental, no Campus São Carlos da UFSCar, ocasião em que foi produzida reportagem em vídeo compartilhando este e outros resultados da pesquisa.
O projeto articulou as Ciências Ambientais e a Ciência da Computação para investigar em que medida os desastres no Brasil afastam ou aproximam os municípios da efetivação dos ODS. Os desastres foram mensurados a partir do número de decretações de emergência ou de calamidade pública nas últimas duas décadas e cotejados com dados socioeconômicos dos municípios utilizando ferramentas de inteligência artificial.
“Fizemos aplicação de técnicas de aprendizado de máquina, combinadas com inteligência artificial explicável”, conta Heloísa de Arruda Camargo, docente no Departamento de Computação (DC) da UFSCar e pesquisadora associada no projeto. “A inteligência artificial explicável serviu muito bem para esse objetivo, já que essas técnicas permitem que a gente extraia informações a respeito da relevância de variáveis nas várias classificações e nas saídas que o modelo de aprendizado de máquina apresenta”, complementa. Inteligência artificial explicável é um modelo em que é possível para os seres humanos entender as decisões tomadas pela máquina, em contraposição ao modelo de “caixa preta”.
Norma Valêncio, Professora Sênior junto ao Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da UFSCar e pesquisadora responsável pelo projeto, destaca que, além de os desastres afastarem os municípios dos ODS, há uma correlação entre sua condição socioeconômica e a ocorrência de desastres. “Quanto mais pobre o município for em finanças públicas, quanto mais assimétrica for a renda da sua população, mais desastres esse município sofre”, aponta.
Durante sua fala no evento, Valêncio apresentou o conceito de “desastroceno”, criado por ela para descrever o espraiamento, a intensificação e a repetição de decretações de emergência e de calamidade pública em municípios de todas as regiões do Brasil. Ela apontou que os decretos podem trazer consequências problemáticas para a administração pública. “Às vezes, um prefeito, uma prefeita, se elegeu com uma certa pauta, com uma certa agenda, e gerou expectativas no cidadão em relação a receber aquelas políticas. Quando ele decreta a emergência, está liberto para produzir uma outra agenda de prioridades, com a qual, inclusive, uma parte dos munícipes pode não concordar”, apresentou. A pesquisadora explicou que a maior autonomia decorrente da decretação, com a dispensa de processos licitatórios, resulta em um controle social menor, permitindo ao dirigente tomar decisões que não serão negociadas, por serem urgentes.
A primeira etapa do CODeS está oficialmente encerrada, mas seu trabalho deve prosseguir, uma vez que a equipe foi integrada ao Instituto Nacional de Inteligência Artificial para o Bem Social, o IAPROBEM, um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com sede na USP de São Carlos.