Médica alerta que território Yanomami precisa de ações além da Saúde

Ana Caroline Marques, egressa da UFSCar, atua em Roraima e evidencia complexidade da situação em entrevista

(Texto: Mariana Pezzo)

Enquanto o Brasil e o mundo acompanham estarrecidos a situação na terra indígena Yanomami, Ana Caroline Marques, médica indígena (da etnia Tupinikim do Espírito Santo) formada na UFSCar continua seu trabalho em Roraima, no qual enfrenta já há bastante tempo uma situação ainda mais complexa do que a retratada agora na mídia.

Em entrevista à jornalista Mariana Pezzo, Diretora do Instituto da Cultura Científica da UFSCar, ela compartilha sua experiência, relata a situação de desassistência que culminou na crise, comenta a relevância da formação de profissionais indígenas e reflete sobre possibilidades para transformação da realidade evidenciada nos últimos dias, mas conhecida há tempos na região.

Marques destaca a complexidade do território, relatando, por exemplo, que atende dois povos bastante distintos, com necessidades de saúde diferentes, e que os problemas não são só ou sempre de desnutrição, envolvendo, por exemplo, questões de Saúde Mental, suicídios, problemas músculo-esqueléticos, dentre outros.

“Se ficarmos só com o olhar focado de que a desnutrição é aguda e que dar alimento vai resolver essa situação, não conseguiremos abranger toda a complexidade do território e continuaremos com o vazio assistencial. Precisamos de equipes que conheçam as pessoas, de assistência adequada e com todos os recursos necessários”, alerta. “Eu tenho inclusive uma preocupação com chegar e dar alimento, porque não conseguiremos manter esse ciclo por muito tempo. Nós precisamos entrar com medidas que ajudem esse povo a criar soluções de subsistência”, complementa.

“Parece que tudo o que envolve o Distrito [Sanitário Especial Indígena, DSEI] está ligado apenas à Saúde, mas precisamos que outros órgãos se envolvam. Eu preciso ter Educação de qualidade, inclusive para as lutas indígenas. Sem saneamento básico, água de qualidade, eu não consigo diminuir os casos de diarreia”, exemplifica. “Enquanto não houver ações que pensem o todo, continuaremos tendo casos recorrentes de fotos como as que estão saindo no momento”, conclui.

A médica compartilha sua preocupação especial com o aspecto cultural, evidenciando a relevância de sua origem indígena e o conflito gerado entre cuidados tradicionais e medicalização.

“Eu compreendo que o processo de saúde-doença vai muito além do que simplesmente o nosso corpo físico, que existem muitas outras situações que influenciam na saúde e no bem estar de uma pessoa”, situa. “Se isto não é abordado de forma adequada em uma comunidade indígena, temos grandes repercussões e levamos a uma situação em que essa comunidade passa até mesmo a desacreditar do aspecto cultural, da medicina tradicional”, defende.

Marques diz que esta é uma grande motivação para sua atuação na terra indígena, junto à questão ambiental. “A relação do indígena com a floresta também é uma coisa que me impulsiona a estar lá, porque eu quero proteger alguém que protege um bem maior, que são as nossas florestas”, compartilha.

A profissional, que ingressou na UFSCar pelo Vestibular Indígena e concluiu o curso em 2019, está no território Yanomami desde maio de 2022, atuando em área na fronteira com a Venezuela. No entanto, diz que ouve de colegas que o cenário de vazio assistencial é antigo. “Sempre me é dito que é uma situação de longa data, que são muitas as ausências ao longo do tempo. Há várias denúncias, a situação não foi negligenciada por quem está aqui, mas nunca houve uma resposta de forma adequada”, afirma a médica, que acredita que a presença de uma indígena no Governo Federal, no Ministério dos Povos Indígenas (liderado por Sônia Guajajara), contribuiu para a visibilidade da situação neste momento.

Confira, em vídeo abaixo, a entrevista completa: