Estratégia química pode contribuir para nova geração de fármacos

Pesquisa conduzida por cientistas da UFSCar e colaboradores internacionais revelou uma nova estratégia para modificação seletiva de peptídeos bioativos - como os análogos do peptídeo-1 semelhante ao glucagon humano (GLP-1), base de medicamentos como o Ozempic.

A proposta do grupo visa melhorar propriedades fundamentais dessas moléculas, como estabilidade, especificidade, seletividade e meia-vida in vivo, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos fármacos mais eficazes para doenças como diabetes e obesidade.

O Ozempic é fruto de um processo de modificação estrutural de uma molécula naturalmente presente no corpo humano. Uma das principais alterações foi a ampliação da meia-vida - ou seja, o tempo de permanência da substância no organismo com efeito terapêutico - de poucos minutos para várias horas, possibilitando sua administração em dose semanal. No entanto, Ozempic e outros fármacos da mesma classe apresentam efeitos colaterais relevantes, como náuseas e perda de massa muscular, o que motiva as pesquisas para aprimoramento dessas formulações.

O método testado na pesquisa liderada pela UFSCar consiste na aplicação de uma ferramenta sintética de vanguarda. Ao explorar a combinação de luz com dois outros catalisadores distintos, foi possível transformar, de forma seletiva, biomoléculas de alto grau de complexidade. Um dos autores do artigo recém-publicado com os resultados da pesquisa, José Antônio Campos Delgado - cientista graduado na Universidade de Havana, em Cuba, mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ - UFSCar) -, conta o que foi feito. "Ativamos seletivamente uma ligação nitrogênio-hidrogênio específica, no aminoácido triptofano. O método permite formar uma ligação irreversível, introduzindo motivos estruturais incomuns, o que retarda a degradação da molécula no organismo", explica.

A duração do efeito do fármaco está diretamente relacionada à sua resistência à degradação proteolítica no organismo, que rompe suas ligações químicas e elimina os fragmentos menores, muitas vezes pela urina. A ligação irreversível promovida pelo novo método contribui para retardar esse processo, prolongando a ação terapêutica da molécula.

Os resultados do grupo mostram que o método é altamente seletivo e eficiente, capaz de ser concluído em apenas três horas e com baixo custo, características essenciais para sua futura aplicação em escala industrial.

Desafios e próximos passos
Delgado afirma que a estratégia desenvolvida pode ser aplicada também a outros tipos de medicamentos. "Nosso método não se limita ao GLP-1; ele pode ser explorado para modificar uma variedade de peptídeos terapêuticos, abrindo portas para novas classes de medicamentos", destaca.

Os fármacos à base de GLP-1, como o Ozempic, revolucionaram o tratamento do diabetes e vêm sendo cada vez mais investigados para outras condições, como doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. Com a nova tecnologia, abre-se a possibilidade de aprimorar essas terapias. Mas ainda há desafios a serem superados antes que esses avanços cheguem ao mercado. A adaptação do método para a produção em escala industrial e a realização de estudos clínicos são etapas fundamentais para validar a segurança e a eficácia dos novos compostos.

O líder do grupo de pesquisa, Marcio Weber Paixão, professor e pesquisador no Departamento de Química (DQ) da UFSCar, compartilha que ainda há necessidade de investimento para a concretização desses próximos passos. "A próxima etapa é a avaliação aprofundada da atividade biológica dessa molécula. Esses estudos estão sendo realizados com um parceiro da Faculdade de Medicina da USP [Universidade de São Paulo] de Ribeirão Preto", conta.

Até o momento, a pesquisa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além do suporte da Universidade de Regensburg, na Alemanha, e da própria UFSCar.

(Texto: Thalef Santos)