Ciência busca soluções na Natureza para proteger citros do greening
(Texto: Antonio Rodrigues da Silva Neto).
O Laboratório de Produtos Naturais (LPN) da UFSCar compartilhou recentemente resultados de novos estudos com foco no greening, mais devastadora doença da citricultura em todo o mundo. As pesquisas oferecem estratégias para prevenção e enfrentamento precoce do problema que desafia cientistas e produtores com sua rápida disseminação e ausência de cura até o momento.
O greening – também chamado de Huanglongbing (HLB) – é causado pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus e transmitido por um inseto vetor, o psilídeo-asiático (Diaphorina citri). Um estudo realizado este ano indicou que, nas principais regiões produtoras no Brasil – São Paulo e Minas Gerais –, a doença já afeta quase 48% dos pomares, com impactos econômicos relevantes. Diante de limitações dos atuais métodos de controle, um dos caminhos importantes é compreender como a infecção afeta as plantas em nível molecular.
Nesse contexto, um dos trabalhos realizados se debruçou sobre as interações entre planta e patógeno. Orientada pela professora Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, docente no Departamento de Química (DQ) da UFSCar e coordenadora do LPN, Jéssica Cristina Amaral investigou como as plantas cítricas respondem à infecção, em pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ).
Com foco em metabólitos secundários – compostos produzidos pela própria planta que podem atuar como mecanismos de defesa –, a pesquisa buscou identificar quais substâncias são ativadas ou aumentadas quando ocorre a infecção. As análises levaram a um conjunto de substâncias, entre elas a xantiletina e a seselina, compostos que pertencem a uma classe química conhecida como piranocumarinas, já estudada por suas propriedades antimicrobianas. A presença elevada dessas substâncias nas raízes de plantas infectadas sugere que desempenham papel ativo na defesa contra o avanço da bactéria. O mais promissor, no entanto, é que esses metabólitos parecem se acumular antes mesmo dos primeiros sintomas visíveis nas partes aéreas da planta, como folhas amareladas, frutos deformados e galhos com crescimento comprometido, o que abre caminho para o desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico precoce e, futuramente, para o melhoramento genético, rumo a plantas que sejam naturalmente mais eficientes em sua defesa.
Óleos essenciais
Em estudo de 2016, o grupo já havia encontrado resultados relevantes buscando nas próprias plantas o caminho para enfrentamento do problema, ao investigar o uso de óleos essenciais de diferentes tipos de citros no combate ao greening. O estudo avaliou 22 genótipos cultivados no Brasil, abrangendo laranjas, tangerinas, limões, toranjas e híbridos. O foco esteve nos compostos voláteis – substâncias químicas que se dispersam facilmente no ar à temperatura ambiente – presentes nos brotos jovens das plantas. A escolha é particularmente estratégica, pois é justamente nesses brotos que o inseto vetor do greening se alimenta e deposita seus ovos.
O resultado foi um mapeamento detalhado das semelhanças e diferenças químicas entre os genótipos estudados, fornecendo pistas importantes sobre quais variedades de citros podem se tornar aliadas no controle sustentável da doença. Para entender como os óleos influenciam o comportamento do inseto, os pesquisadores realizaram testes com um olfatômetro, no qual o inseto escolhia entre dois caminhos, um com o odor de determinado óleo essencial e outro neutro. Essa técnica permitiu medir o nível de atração, ou repulsão, que os diferentes aromas causavam nos psilídeos. Os resultados foram claros, com o cheiro da planta Murraya paniculata (jasmim-laranja) sendo preferido por mais de 70% dos insetos testados. O jasmim-laranja é conhecido como uma das principais plantas hospedeiras do inseto.
A análise das composições químicas revelou que os genótipos de menor preferência compartilhavam compostos como fitol, (Z)-β-ocimeno e β-elemene, levando à hipótese de que podem atuar como repelentes. No entanto, outras avaliações ainda seguem sendo necessárias para confirmar os efeitos.
Previsão do clima (e do greening)
Um outro estudo resultou em modelo estatístico capaz de prever a disseminação da bactéria causadora do greening com base em fatores climáticos. A pesquisa foi conduzida no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Controle Biorracional de Insetos Pragas, também coordenado por Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, e envolveu, além da UFSCar, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
Transformar o clima em aliado foi o ponto de partida para buscar novas estratégias no controle do greening. Sabendo que fatores como temperatura, umidade e chuva afetam tanto o inseto transmissor quanto a bactéria, os pesquisadores criaram um modelo capaz de prever os momentos e locais mais propícios à disseminação da doença. Na prática, isso possibilita ações preventivas baseadas na previsão do tempo, sendo um avanço inédito no controle estratégico da doença.
O modelo leva em conta as variações climáticas de diferentes regiões, o que permite que ele seja adaptado para outros polos citrícolas do mundo, como Estados Unidos, México, China e países da União Europeia. Embora não substitua práticas já usadas no campo, como o controle químico e a eliminação de plantas doentes, o modelo ajuda a tomar decisões mais estratégicas sobre, por exemplo, quando aplicar defensivos, onde usar telas protetoras ou quando remover árvores infectadas antes que o surto se espalhe.
Para a professora Maria Fátima, supervisora dos estudos, os resultados representam apenas o começo de uma nova etapa no enfrentamento do greening. “A proposta abre caminho para modelos antecipados ainda mais avançados, capazes de incorporar novos dados e diferentes realidades agrícolas. Essas investigações com distintas condições climáticas poderão ampliar a aplicabilidade do modelo e torná-lo uma ferramenta global de combate ao HLB. A guerra contra o HLB continua, mas com a Ciência, Estatística e Bioquímica Molecular como aliadas”, conclui.
Os resultados dos estudos destacados estão disponíveis em artigos publicados nas revistas Infectious Disease Modelling e molecules e na tese de doutorado de Amaral, disponível no Repositório Institucional da UFSCar.