Cidades em marcha lenta: o preço climático da dependência de automóvel
O Sol se põe e a noite cai sobre a grande cidade. É o famoso horário de pico, quando todos parecem sair do trabalho ao mesmo tempo, com um único objetivo: retornar ao conforto dos seus lares. Mas há uma pedra no meio desse caminho: a quantidade de automóveis que invadem o asfalto, onde o caos se instaura, as buzinas ecoam, e aquele trajeto que levaria apenas 20 minutos em um horário tranquilo, passa a consumir quase uma hora.
Há quem defenda que acrescentar mais faixas para ampliar o espaço dos carros seria a solução ideal para acabar com o problema, mas e se eu te disser que isso só pioraria a situação? Pois é: apesar de parecer lógico, o resultado é justamente o oposto, e a resposta se encontra quando olhamos sob outra perspectiva para a mobilidade urbana – justamente a forma como as pessoas se movem pela cidade (a pé, de bicicleta, de ônibus, automóvel ou metrô). Isso porque, mais do que ir e vir, a busca é por garantir deslocamentos seguros, acessíveis e, principalmente, eficientes para todos.
E é exatamente aí que entram as discussões climáticas, essas que estão acontecendo lá em Belém na COP 30. Considerando os dados do último Censo, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2022, o automóvel é o meio de transporte mais utilizado no deslocamento para o trabalho, usado por cerca de 32,3% dos brasileiros. Esses carros são um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (aqueles que fazem a temperatura da Terra aumentar a cada ano), resultado do uso massivo de combustíveis fósseis e da prioridade histórica dada a eles. Além disso, a devastação de áreas verdes para pavimentação e ampliação de vias representa um risco para enchentes, já que impermeabiliza o solo e impede que a água da chuva escoe de forma adequada. Sem contar a formação das ilhas de calor, quando o asfalto retém o calor do sol por longos períodos, gerando desconforto térmico. Por tudo isso, pensar em mobilidade urbana eficiente é pensar também no clima.
Além das questões climáticas, a mobilidade urbana atravessa outro campo importante: o da saúde pública. Além das consequências das mudanças climáticas (como poluição do ar que causa doenças respiratórias, desconforto térmico ou os impactos devastadores de enchentes), o excesso de trânsito , por exemplo contribui para o aumento do estresse e do sedentarismo, que são fatores de risco para o desenvolvimento de diversas doenças.
Eu até poderia sugerir algumas soluções, como expandir ciclovias, melhorar os espaços públicos de circulação com calçadas acessíveis e agradáveis para todos, aumentar e qualificar a frota de transportes públicos (e incentivar seu uso por meio de iniciativas como a Tarifa Zero), além de reduzir os espaços destinados aos automóveis, ao transformar grandes estacionamentos em parques, por exemplo, pois todas essas são medidas muito importantes para enfrentar o problema. Mas acontece que, para uma mudança estrutural tão profunda no funcionamento de uma cidade, o incentivo à mobilidade urbana mais “verde” vai muito além destas soluções práticas de infraestrutura e precisa nascer de uma cooperação sólida entre poder público, iniciativas privadas e, principalmente, do esforço conjunto e do engajamento social da população em geral.
Calma que eu te explico! Para que as pessoas realmente queiram usar o transporte público, caminhar ou pedalar, é fundamental que o poder público ofereça espaços e serviços eficientes, seguros e confortáveis, a ponto de atrair as pessoas e torná-los um hábito, ao mesmo passo em que há também a responsabilidade individual e coletiva de repensar hábitos e usufruir desses recursos, reduzindo o uso do carro e se sensibilizando para os impactos dessas escolhas. Quando esses dois movimentos caminham juntos (a oferta de qualidade e a mudança de comportamento), cria-se uma espécie de ciclo que supera a visão limitada de que mobilidade é apenas infraestrutura, contribuindo de forma direta para enfrentar as mudanças climáticas.
Portanto, nesse período, em que todos os olhos se voltam às discussões realizadas na COP 30 e o debate sobre como reduzir emissões ganha força, devemos trazer esse assunto à tona ao entender que a temática da mobilidade está intrinsecamente ligada às discussões sobre mudanças climáticas. Por isso, espero que este texto tenha te convidado a refletir sobre essas questões e assim pensar em algumas mudanças de hábito, bem como na próxima vez que escolher seus representantes no poder público, ao participar das assembleias comunitárias de tomada de decisão da sua cidade ou simplesmente ao ajudar a divulgar esse conhecimento para mais gente… Assim, quem sabe a volta do trabalho não precise ser tão estressante, já que o caminho, por si só, poderia ser tão eficiente e, assim, prazeroso, quanto chegar ao conforto do seu lar.
